O negócio de vender, desaparecer e depois censurar. Esse parece ser o modelo que, cada vez com menos disfarce, sustenta a AllZone. A loja, que prometia tecnologia de marca a preços de baixíssimos e com entregas expresso, tacabou por deixar um rasto de consumidores indignados por causa de encomendas fantasma, contas bloqueadas e, agora, ameaças legais.
A história já a conhecíamos, em parte. Mas com o último capítulo, AllZone ultrapassou um novo limiar ao exigir o silêncio, a retratação e a retirada da crítica pública aos prejudicados.
O burofax: um pedido de indemnização de 80.000 euros
Juan Miguel Valverde, um dos muitos afectados pelas supostas práticas fraudulentas da AllZone, partilhou com a Consumidor Global um burofax remetido na passada sexta-feira 2 de maio pelo esceitório Gerez Advogados em nome da All In Digital Marketing S.L. (a empresa vinculada à AllZone).
O texto exige que retire todas as publicações que fez contra a empresa, que se abstenha de as continuar a fazer e que publique uma retificação pública. Tudo isto sob a ameaça de uma ação judicial no valor de 80.000 euros mais custos legais. “Parece inacreditável que tão pouca gente se importe com o facto de haver pessoas que estão a enganar tantos dos seus concidadãos, e com uma arrogância e um cinismo que não têm cabimento”, lamenta Valverde.
De que é acusado?
O burofax acusa o queixoso de fazer afirmações “sem suporte probatório”, qualifica as suas mensagens como “lesivas da sua honra” e recorda-lhe, em tom intimidatório, que estaria a cometer crimes de calúnia e difamação se não parasse. Tudo muito solene. Muito legalista. Muito intimidante.
Mas quais são exatamente as publicações a que a empresa se refere? Valverde afirma que nunca partilhou dados sensíveis, como números de encomendas ou informações que o identificassem diretamente como cliente. Sob o pseudónimo @mezztiso no X, limitou-se a partilhar opiniões públicas sobre a Trustpilot, a realçar a situação de outras pessoas afectadas e a ligar a reportagens publicadas pela Consumidor Global. Todos os conteúdos que partilhou podem ser verificados e foram verificados por este meio de comunicação.
Uma ameaça por expor uma má experiência
Neste ponto, vale a pena fazer uma pergunta incómoda: a AllZone está a processar aqueles que sofreram com o seu péssimo (e alegadamente fraudulento) serviço, simplesmente por se manifestarem?
A Consumidor Global já documentou 1.197 depoimentos de afectados, muitos deles com perdas de centenas ou milhares de euros. Utilizadores que não receberam as suas encomendas, viram o seu dinheiro retido durante semanas ou meses sem resposta, e foram depois silenciados nas redes sociais. A AllZone bloqueou comentários e apagou críticas no Instagram e noutras redes sociais.
O padrão repete-se
Para o seu diretor executivo, Pablo Sebastián Moscoloni, não se trata de um novo modelo de negócio. Como já foi referido, o CEO da AllZone esteve associado a empresas anteriores, como a The Geekland S.C. (Just Deal), a Spain On Line S.L. e a Systems And Phones Net Moviles S.L., que também foram alvo de queixas por práticas semelhantes, incluindo sanções por infracções à proteção de dados e cláusulas abusivas.
As queixas contra a AllZone continuam a estar na ordem do dia e a reputação da empresa parece estar a escorregar. Será este o momento em que o retalhista é forçado a recuar, a assumir os seus erros e a responder pelas suas más práticas? Ou continuará a utilizar as ameaças legais como escudo para se proteger das críticas legítimas dos consumidores?
A versão da AllZone
Por sua vez, a empresa All In Digital Marketing S.L., responsável pela loja AllZone, ofereceu a sua versão dos factos e defende que o cliente em questão, Juan Miguel Valverde, cancelou voluntariamente o seu pedido dentro do prazo estipulado e recebeu o reembolso correspondente conforme as suas políticas de cancelamento.
Segundo a empresa, o pedido subsequente de reembolso do dobro do montante foi infundado e, desde então, Valverde terá iniciado “uma campanha sistemática de difamação com acusações repetidas nas redes sociais e nas plataformas de avaliação, algumas das quais foram retiradas por violarem as regras de utilização”.
“Difamação sistemática”
A empresa afirma ter tentado, por diversas vezes, contactar a parte afetada para resolver a situação através do diálogo, sem sucesso, e garante que está aberta a chegar a uma solução amigável. No entanto, considera que as mensagens publicadas ultrapassam o direito legítimo de partilhar uma experiência de consumo e se enquadram no que qualifica de “difamação sistemática”.
Por esta razão, iniciaram um processo de aconselhamento jurídico com o escritório de advogados Cremades & Calvo-Sotelo para estudar possíveis acções legais em defesa da sua reputação. “Queremos oferecer uma visão objetiva, justa e equilibrada do que aconteceu”, conclui o AllZone.