O queijo inspirado numa receita monástica do século XVIII que nunca falta no Caminho de Santiago

Diego Castro, diretor geral de Central Lechera Galega, reivindica a importância do meio rural e fala deste semicurado com um "perfil gourmet"

Varios quesos (1)
Varios quesos (1)

Os muros dos monasterios costumam ser grossos, infranqueables, palmarios. Separam o mundo terrenal do espiritual, e a distinção entre ambas esferas tende a ser categórica: o que ocorre num lado mal afecta, por norma geral, ao outro. Os do Monasterio de San Bieito de Pereira, em Cuntis (Galiza), são do século XVIII e de pedra granítica, mas em alguma ocasião algum tesouro tem-os trascendido para sair ao exterior.

"Todo o que tem que ver com conhecimento da vid e do queijo, os monges no-lo trouxeram e o conservaram", reivindica Diego Castro, diretor geral de Central Lechera Galega (CELGA), a Consumidor Global. Ora, labora, e algum trasiego de vez em quando, poderíamos dizer. No caso que nos ocupa, importa o segundo: a empresa está a potenciar agora seu queijo Pau Santo, que nasceu inspirado numa receita monástica do século XVIII vinculada ao Caminho de Santiago.

Um pau 'santo'

"Faz uns 40 anos, uma freira que conhecia o documento comentou esta história. A receita original estava documentada e detalhava como se elaborava um queijo de leite de vaca", rememora Castro. Antanho, os monges removiam o leite gerando uma massa, e faziam-no com um pau de madeira. Esse pau terminaria dando nome ao próprio queijo.

Queso Palo Santo / CEDIDA
Queijo Pau Santo / CEDIDA

O alimento guardava-se nas câmaras e convertia-se em suculentas viandas tanto para a comunidade monástica como para os peregrinos que faziam o Caminho de Santiago pela rota portuguesa. "De facto, o Caminho é parte de nosso relato como marca", explica Castro. Parece uma formosa casualidade que a travesía até Santiago tenha essa conexão profunda com as estrelas: os peregrinos de faz séculos, sem mapas modernos nem linternas que lhes ajudassem em seu trajecto até a tumba do apóstol, podiam alçar a vista e orientar graças a esse rio de estrelas que se conhece, precisamente, como Via Láctea.

Um queijo semicurado com "perfil gourmet"

A receita do queijo Pau Santo, logicamente, foi-se enfatizando e actualizando. "O paladar não é o mesmo, e as normas de segurança alimentar também não", ri Castro. O produto, um semicurado com um "perfil gourmet", tem agora notas de mantequilla fresca, caramelo suave e "um fundo doce que o faz irresistible", asseguram seus criadores.

Una indicación en el Camino de Santiago / PIXABAY
Uma indicação no Caminho de Santiago / PIXABAY

O que não tem mudado é seu arraigo a Galiza. "Nós estamos no rural, numa população inferior a 5.000 habitantes. E todo o leite de Pau Santo é galega, de ganaderías próximas a nós", recalca Castro. Com tudo, o alimento tem saído deste mágico rincão atlántico e está presente a países como Portugal, México ou Chile. Ademais, tem recebido galardões em concursos queseros internacionais.

Distribuição e elaboração

É um queijo que os peregrinos (aos que contribui um plus proteico muito útil para seus caminatas) podem encontrar em diferentes pontos de seu trajecto, tanto em restaurantes que fazem parte do Caminho de Santiago como nas lojas gourmet e espaços gastronómicos de referência em Galiza. Também é possível o adquirir em todos os aeroportos da comunidade autónoma, no de Oviedo e no de Bilbao. Aqui, a cunha custa, aproximadamente, cinco euros. Em lojas gourmet, o queijo inteiro, de uns 600 gramas, ronda os 10 euros.

À hora de elaborá-lo, afirma Castro, segue-se metendo a mão num molde. "A cunha implica uma adaptabilidade ao mercado atual. Dantes ia ao corte e cortava-se quiçá um kilogramo. Com o passo do tempo, vamos modernizando-nos".

Una cuña de queso / GG
Uma cunha de queijo / GOURMETS.NET

Versões com trufa, azeitona e marinada com cerveja

Além desta referência, Central Lechera Galega tem vários queijos especializados: um orientado totalmente a desportistas, com uma receita baixa em gorduras e sem lactosa; e outro baixo em sal destinado a um target mais senior. Pau Santo tem, assim mesmo, uma versão com trufa, outra com azeitona e uma terceira maridada com cerveja.

A companhia também tem tecido alianças com a distribuição premium, e seu queijo Pau Santo tem chegado a flanes, cachopos, hamburguesas ou tostas com pulpo. Com tudo, Castro apela uma e outra vez à origem e recorda que sua área de investigação e desenvolvimento nasceu "faz anos, numa garagem, misturando leite com algo numa olla".

Um mercado complexo

Apesar das audazes apostas em termos de inovação e dos reconhecimentos que tem conseguido Pau Santo, este experiente lamenta que, em Espanha, sete em cada 10 consumidores comprem queijo de marca branca. Para o espanhol, o preço é o factor mais determinante. Não se lhe concede um valor único, genuino, como quiçá sim ao presunto, crê Castro. "Somos pequenos e lutamos contra os grandes. É um mercado complexo, mas nós temos um músculo industrial e de marca relevante", valoriza.

Fábrica de Central Lechera Gallega / CEDIDA
Fábrica de Central Lechera Galega / CEDIDA

Consumir este queijo não implica só levar à boca um símbolo do Caminho, já que nutre a uma comunidade, a um território. "O queijo é muito nobre e ajuda a manter o rural. A coisa está complicada, os relevos generacionales peligran… E olho, dependemos todos do campo", reivindica. Seja como seja de longo, de arduo ou de estimulante, faz-se caminho ao andar. Golpe a golpe? Queijo a queijo.