Mais que um assento equivocado com Air Europa
Uma pequena falha põe em dúvida a empatía e o compromisso real da aerolínea espanhola com seus clientes

O voo de Air Europa com destino a Munique descolou pontual a manhã da quinta-feira 26 de junho em Madri. No assento do corredor, ao fundo do avião, viajava Carmen V. A., acostumada aos aeroportos e aos horários enrevesados que impõe sua profissão de jornalista. Não tinha nada extraordinário nesse trajecto. Excepto que, durante as 2 horas e 40 minutos que durou o voo, Carmen teve todo o momento o cenho franzido, fruto de uma frustración surda.
Dias dantes do voo, ao tentar pagar por um assento melhor, cometeu um erro. Abonó os 15 euros, sim, mas não para o trajecto de ida, que era o que precisava, sina para o de volta. Assim que detectou a falha, chamou de imediato ao serviço de atenção ao cliente, mas disseram-lhe que não se podia fazer nada. Aparentemente, é uma história menor. Um erro com uma reserva. Um malentendido num aplicativo. Mas o que bate no fundo não é o custo, nem sequer o assento. O que se discute aqui é o direito ao erro. E, sobretudo, a obrigação das empresas de exercer algo tão básico como a empatía, ou, ao menos, o sentido comum.
Falhas no sistema de Air Europa
Tudo parecia em ordem até que, ao fazer o check-in, descobriu que lhe tinham atribuído um assento na última bicha do avião. "Isso que fazem para que pagues por eleger", diz a Consumidor Global.

Decidiu então abonar os 15 euros adicionais que a aerolínea exige por uma melhora. Tentou-o desde o navegador site. A plataforma falhava. Tentou-o desde a app. Desta vez sim: pagou, confirmou e esperou a confirmação. Não chegou.
Uma resposta torpe
Quando chamou a atenção ao cliente, lhe informaram de que tinha comprado o assento, mas não para a ida, sina para a volta. Carmen faz questão de que seleccionou correctamente a data, mas inclusive se não tivesse sido assim, o que veio depois foi mais grave que a falha original.
Pediu mudar o assento. Negou-se a operadora. Pediu cancelar o cargo. Negou-se a supervisora. Solicitou aplicar seu direito à desistência. Disseram-lhe que esse direito "não existe em Espanha", que "isso é em outros países". Carmen insistiu: "Utilizei-o muitas vezes. Há uma lei". Mas não teve margem para a matización. O sistema já tinha falado.
Que diz a lei?
O direito de desistência, consagrado no Texto Refundido da Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e Utentes (TRLGDCU), estabelece que qualquer consumidor tem um prazo de 14 dias naturais para cancelar sem motivo uma compra realizada a distância –por internet, por exemplo– e recuperar seu dinheiro. No entanto, esa mesma lei contempla excepções. Entre elas, os serviços de transporte de passageiros, incluídos os bilhetes de avião e os serviços acessórios contratados com eles, como a selecção de assento.
Isto significa que Carmen não tem, em sentido estrito, direito à desistência sobre essa compra. Não o tem, pese a que chamou a atenção ao cliente minutos após pagar o assento. Não pediu um reembolso arbitrário. Não esperou semanas. Não tentou enganar a ninguém. Simplesmente, quis corrigir uma falha. Não tinha prejuízo algum para a aerolínea. E, no entanto, não tem direito e a resposta foi inamovible.
"Só pode pôr uma reclamação"
Longe de ficar quieta, no balcão de facturação do aeroporto Adolfo Suárez Madri-Baralhas, Carmen tentou novamente. "Não podemos fazer nada", lhe voltaram a dizer. "Tem que ir ao escritório de Air Europa". No escritório: "Só pode pôr uma reclamação. Aqui não fazemos mudanças".
Carmen tem optado por apresentar uma reclamação formal. Não só ante a aerolínea, sina também através da Organização de Consumidores e Utentes (OCU). Assegura que não deixará passar o caso. Não porque queira recuperar 15 euros, sina pelo que representa: "Não me dá a vontade que uma empresa me diga que não tenho um direito que sim tenho. E que não faça o mais mínimo esforço por me ajudar ante um erro evidente", declara.
Mas, há base para reclamar?
"Desde meu ponto de vista, considero que existem fundamentos para apresentar uma reclamação. No entanto, não é um processo singelo, já que requer um enfoque cuidadoso e bem argumentado", explica o advogado Iván Rodríguez, especialista em direitos do consumidor. "Pessoalmente, não centraria tanto a estratégia no erro cometido (que poderia se atribuir ao próprio consumidor por não ter prestado suficiente atenção), sina mais bem no direito de desistência", acrescenta.

"Apesar de tratar de uma reserva –similar a umas arras–, segue sendo uma prestação de serviços, como a compra de um ticket on-line, o qual deveria estar amparado pelo direito de desistência de 14 dias estabelecido pelo regulamento vigente", opina o experiente.
Quanto importar a uma empresa seus clientes
Uma pequena disputa por um assento revela até que ponto as companhias estão preparadas (ou não) para manejar com humanidade os atritos inevitáveis que surgem em qualquer serviço complexo. A chave está em como se resolvem os erros, não em pretender que nunca ocorrem.
Um assento não é só um assento. Pode ser também o ponto no que se mede quanto importar a uma empresa seus clientes.