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Javier López, diretor de Provacuno: "Não chamemos carne aos ultraprocesados vegetais"

O dirigente da Organização Interprofesional da Carne de Vacuno de Espanha realiza uma análise sobre a situação atual do sector, o encarecimiento desta carne e como afectam as alternativas veganas

Ana Siles

Javier López, director de Organización Interprofesional de la Carne de Vacuno

A carne de vacuno converteu-se num dos produtos mais castigados pela inflação em Espanha. Segundo o observatório de preços da Organização de Consumidores e Utentes (OCU), em julho a carne de ternera se encareció. Mais especificamente, a carne picada subiu um 25%, o estufado um 24% e o entrecot um 16%. Neste contexto, o desequilíbrio entre oferta e demanda converteu-se no principal desafio do sector vacuno.

Consumidor Global entrevista a Javier López, diretor de Provacuno, quem explica que a subida de preços responde principalmente à redução do censo de ganhado em Europa, entre outros factores. Apesar da inflação e da proliferación de alternativas veganas, o consumo de carne de vacuno no lar espanhol mantém-se sólido.

--Como descreveria a situação atual do sector vacuno em Espanha?

--A nível de produtor, é uma situação óptima. Se olhamos a indústria, o panorama é mais complicado. A indústria cárnica está a suportar um preço primeiramente do animal muito elevado e uma negociação complexa com a distribuição, que procura pagar o menos possível pelo produto que compra. Basicamente o que lhe está a passar ao sector agora mesmo é um desequilíbrio brutal entre oferta e demanda.

--Quais são os motivos deste desajuste?

--Fundamentalmente baseia-se na perda de efetivos de ganhado. Nos últimos três anos, a União Européia tem perdido três milhões de animais de censo e, no último ano, tem perdido um milhão de vacas. Isto é um milhão de terneros menos que nascem para se converter em carne, aproximadamente. A nível nacional também, mas Espanha tem aguentado melhor que outros países o descenso do número de vacas. Basicamente, temos menos animais para oferecer ao mercado.

--Como esperam fechar 2025 e daí previsões há para 2026?

--Acho que em todo 2025 e provavelmente em 2026 se vai manter esse desequilíbrio entre oferta e demanda. O ciclo de produção de um ternero que está com sua mãe até que se converte em carne é de ao redor de um ano. Renovar a cabaña no caso das mães custa-nos três anos. O vacuno não é capaz de reagir rapidamente a um incremento de demanda, como sim o podem fazer outras produções de animais, fundamentalmente frango e porco. Agora, se está a incrementar a reposição e se aumentou o número de mães, mas isso provavelmente não se reflita quanto a produção efetiva até 2027-2028.

--Em junho deste ano, a Federação de Consumidores e Utentes (Cecu) realizou uma encuesta na que o 35% dos espanhóis reconheceu que tinha reduzido o consumo de carne e um 22% tinha pensado no fazer.

--Segundo o painel de consumo em lares elaborado pelo Ministério de Agricultura, nos anos 2022 e 2023 tinha-se estabilizado o consumo de vacuno. Anos anteriores apresentava uma queda, com o parêntese do ano 2020 pelo Covid. Não obstante, o consumo de carne de vacuno estabilizou-se e inclusive repuntó ligeiramente nos anos 2023 e 2024 e já apresentava um incremento importante nos preços. É verdadeiro que em 2025 a subida de preço tem sido mais significativa por esse desequilíbrio tremendo entre oferta e demanda.

--Em que ponto se encontra o consumo atual?

--O consumo de carne de vacuno em Espanha não é exagerado. É mais bem reduzido. Não está nem sequer na média da União Européia. É mais baixo porque em Espanha temos uma variabilidad de consumo muito elevada. Temos diferentes tipos de carne, pescado e muitas mais possibilidades de compra que em outros países. Provavelmente essa seja uma explicação. Quando tenhamos os dados de 2025, poder-lho-ei dizer com mais rotundidad porque, ao final, as encuestas são encuestas e não sempre se contesta o que se faz.

--Como tem influído o incremento de preço no consumo de carne durante os últimos anos?

--Teoricamente, quando o preço sobe, o consumo baixa, mas isto não se produziu nos anos 2023 e 2024. Algo bom que tem o vacuno é a enorme variabilidad de cortes que tem. Cortes com diferentes preços ou com diferentes usos culinarios que podem fazer um produto mais atraente que outro.

--Mas, segundo a OCU, a carne de ternera tem subido ao redor de 20%.

--Parece-me uma cifra um poquito alta. Quando falamos de ternera, também há que falar dos cortes. Se olhas lombos e solomillos, o incremento tem podido ser um. Se olhas a carne picada ou a carne para guisar, tem podido ser outro. O problema da carne e de todos os frescos é que estamos a criar uma situação de inflação provocada.

--Mas só tem subido o preço pela inflação?

--Não há uma única causa. Em Espanha, tivemos dois anos de seca muito fortes, 2022 e 2023. Isso provocou que os ganadeiros tivessem que sacrificar vacas porque não tinham recursos para as alimentar. Depois temos tido algum problema sanitário que também tem afectado aos animais e tem causado abortos, com o qual tem tido menos animais disponíveis para o mercado. Toda Europa está igual. Estamos a perder cabeças de vacuno a marchas aceleradas. Durante os últimos anos, produziu-se um ataque absolutamente desaforado em muitos âmbitos, no político também, para as produções ganadeiras. Isto tem provocado que uma parte dos ganadeiros tenha dito: 'Já não vale a pena continuar'.

--Estamos a ver um auge importante da carne vegana, como vos afecta?

--Não chamemos carne ao que não o é. Estamos a falar de um ultraprocesado vegetal que mistura entre 15 e 20 ingredientes. Quando esses ultraprocesados vegetais se oferecem ao consumidor a 20 ou 25 euros o quilo, o consumidor, que não é tonto, decide. Mas qual é a realidade do que estamos a ver? Esses ultraprocesados vegetais, que tinham muitíssimo dinheiro de fundos de investimento para tentar transladar o consumo de proteína animal à vegetal, estão a perder punch. O consumidor sempre põe na balança todos os elementos. O preço, a qualidade, o sabor, o desfrute, o prazer… Ao consumidor pode-se-lhe tentar enganar uma vez, mas geralmente sempre nos põe a todos em nosso lugar.

--Que medidas reclamam desde Provacuno?

--Se fôssemos todos -sectores, administração, etcétera- na mesma linha e fôssemos sensatos, agora teríamos que estar a pensar num plano estratégico a nível nacional. Estamos a falar da alimentação, que devemos o considerar um sector estratégico. Não podemos passar de comer, nem de beber nem de respirar. Deveríamos tentar fazer uma reflexão coletiva a respeito de como potenciar a produção de carne num momento no que a demanda está absolutamente expansiva a nível nacional e mundial.

--Em frente aos pequenos ganadeiros, estão as macrogranjas de marcas tão populares como O Poço, que opinião lhe merecem?

--Macrogranjas no caso de vacuno de carne não existem e o que façam outras espécies ganadeiras, nem posso nem devo me meter. O conceito de macrogranjas utilizou-se claramente como um conceito despectivo das produções ganadeiras. Se pergunta-me minha opinião, não é tão importante o tamanho da granja, sina como tens controladas essas granjas. Tu podes ter um controle muitíssimo maior em granjas de um tamanho importante por diversas razões.

--Por exemplo?

--Podes ter mais mão de obra, uma economia de escala e fazer uma melhor gestão de resíduos, entre outras questões. Talvez, um produtor mais pequeno não tem a capacidade financeira para abarcar todas estas questões, que podem ser necessárias para melhorar. Sobre o tema das macrogranjas tem tido muitíssima demagogia e tem tido muitíssima utilização torticera para atacar à ganadería. Temos falado da carne, mas se faz a percentagem ou dá-lhe a OCU a percentagem do que têm subido os ovos, é provável que a carne fique curta.

--Seguirá ao alça o preço da carne de vacuno em 2026 ou veremos uma estabilização?

--É uma pergunta muito difícil. As primeiras estimativas de 2025 apontam a que os censos em Espanha recuperar-se-ão no próximo ano. Mas jogamos com muitas variáveis que não controlamos. Podemos pensar que é o que vai fazer a demanda em Espanha, mas desconhecemos a evolução da demanda em Marrocos, Argélia e outros países que consomem carne européia.

--Como afectar-nos-ia?

--Se esses países seguem consumindo carne européia e a demanda segue crescendo, tensionarán a situação em Espanha. Mas pode passar ao invés, que esses países se abasteçam de outras zonas do mundo que lhes proporcionem carne mais barata e, portanto, os preços relaxar-se-iam. Dependemos cada vez mais de variáveis que não controlamos. Por isso há uma mensagem que é muito claro, que vai dirigido também aos políticos europeus: olho com jogar com questões que afectam à segurança alimentar dos europeus. Os experimentos com gasosa, mas não mais.

--A que se refere?

--Europa é especialista em legislar. Quando se fazem experimentos ou se fazem políticas restritivas da produção, depois vêm as consequências. Provavelmente o político que em seu dia fez a medida, já não estará quando as consequências venham à tona. Isto ocorre sobretudo numa produção de ciclo longo como a de vacuno e não há responsabilidade política que pedir a ninguém. Podemos passar sem comprar-nos um carro ou uns pantalones, mas comer, respirar e beber água temos que o fazer todos os dias. Comer uma ou duas vezes ao dia, pelo menos.