O direito a voar com um RG permanente: chaves depois do veto de Ryanair a um passageiro

Uma análise legal do caso que enfrentou a um viajante quase nonagenario com a aerolínea por desconhecer a validade de seu documento, e as vias para reclamar ante uma denegação de embarque injustificada

Un DNI permanente sin fecha de caducidad   EFE
Un DNI permanente sin fecha de caducidad EFE

Luis Carbó, um cidadão espanhol de 89 anos, viveu uma situação tão absurda como humillante. Estava no aeroporto de Eindhoven, nos Países Baixos, de regresso a casa depois de umas férias familiares, quando a aerolínea Ryanair lhe impediu embarcar em seu voo com destino Reus. A razão? Seu Documento Nacional de Identidade (RG), emitido em 2006 e sem data de caducidad, não foi conceituado válido pelo pessoal da companhia irlandesa.

Esta informação foi publicada pelo diário A Vanguardia, que recolheu o depoimento do próprio afectado e sua família. O relato revela não só uma falta de sensibilidade, sina também um profundo desconhecimento legal por parte da aerolínea.

Os factos

Segundo denunciam os familiares, a companhia tratou a Luis e a sua esposa –uma mulher de 84 anos com marcapasos– com desprezo, e o pessoal de segurança chegou a empurrá-la quando tentava acompanhar a seu marido. "Maltrataram-nos. Temos tido que pagar outros bilhetes de avião e uma noite de hotel para quatro pessoas", declarou Carbó à Vanguardia.

Pasajeros en el mostrador de Ryanair de un aeropuerto / UNSPLASH
Passageiros no balcão de Ryanair de um aeroporto / UNSPLASH

Para além do agravio pessoal, o caso tem acordado um necessário debate sobre a validade deste tipo de documentos e os direitos dos passageiros. Nesta reportagem, baseado na informação original do jornal mencionado e nas declarações de três experientes legais, Consumidor Global aborda que falhou exactamente, quem é responsável e como se pode reclamar ante situações similares.

Um documento plenamente legal

O RG que portava Luis Carbó não era nenhum documento estranho. Ao invés, trata-se de um RG permanente, um formato previsto no Real Decreto 1553/2005 que estabelece que, a partir de 70 anos, o RG passa a ser indefinido e, por tanto, não precisa ser renovado.

"O RG permanente é completamente legal e válido tanto em Espanha como em todos os países do Espaço Schengen. Ryanair não pode alegar que não é válido para denegar o embarque", explica Rosana Pérez Gurrea, advogada e professora de Direito Civil na Universitat Oberta de Cataluña (UOC).

Recomendação: levar o passaporte

Segundo Pérez Gurrea, este tipo de documentos pode gerar confusão fora de Espanha, especialmente porque não tem data de caducidad e seu formato pode diferir do atual, mas isso não justifica em nenhum caso sua rejeição.

"Ainda que o RG permanente é totalmente válido e a aerolínea deve permitir o embarque, para evitar inconvenientes, sempre é recomendável consultar com as autoridades locais ou com as embaixadas dos países aos que se vai viajar para verificar se aceitam ou não este RG permanente", aconselha a advogada. "Também é aconselhável levar o passaporte como documentação complementar, já que este sim tem uma data de caducidad", sublinha.

Negligencia ou discriminação

A experiência do senhor Carbó não ficou num simples malentendido. Foi uma situação de estrés, angústia e despesas imprevistas para toda sua família, que se viu obrigada a comprar novos bilhetes e a pernoctar uma noite mais no Holanda. Ademais, o consulado espanhol teve que intervir para emitir um salvoconducto, ainda que finalmente não foi necessário, já que outra aerolínea sim aceitou seu RG sem objeciones.

"Estamos ante uma denegação de embarque, nos termos que recolhe o Regulamento (CE) 261/2004. Isto é, o passageiro cumpria com todos os requisitos legais para voar, e ainda assim não se lhe permitiu subir ao avião", explica o advogado Iván Rodríguez, especialista em direitos do consumidor.

Vários tipos de compensação

Rodríguez acrescenta que este tipo de incidentes dá direito a diferentes compensações: o reembolso do bilhete, uma indemnização adicional dentre 250 e 400 euros, dependendo da distância do voo, e a cobertura de todas as despesas derivadas.

Un avión de Ryanair / EUROPA PRESS
Um avião de Ryanair / EUROPA PRESS

"A família deve reunir todas as provas. Bilhetes, facturas de hotel, tickets de táxi, etcétera. Se Ryanair não responde, podem ir à Agência Estatal de Segurança Aérea (AESA), ou inclusive apresentar uma demanda de julgamento monitorio se o custo é inferior a 2.000 euros", insiste.

Um caso de responsabilidade contratual

Para o advogado Jesús P. López, diretor do bufete Advogado Amigo, o ocorrido tem um nome claro: negligencia. "O pessoal de Ryanair actuou por desconhecimento. Não reconheceram como válido um documento que, segundo o regulamento espanhol e européia, o é. Por tanto, existe uma responsabilidade contratual por parte da companhia", arguye.

Desde seu ponto de vista, a família Carbó não só pode reclamar as despesas sufragados, senão também o dano moral causado. "Trata-se de um casal de pessoas maiores que tem sido maltratada numa situação de total vulnerabilidade. A companhia deve responder pelos danos causados por seus empregados", comenta em tom perentorio.

Como reclamar: passo a passo

Rosana Pérez Gurrea explica que o primeiro é apresentar uma reclamação formal à aerolínea. Nos balcões de informação do aeroporto devem proporcionar folhas de reclamação se o passageiro solicita-as. "Há que especificar a data, a hora, o número de voo, e anexar todos os documentos justificativos", assinala.

Se a aerolínea não responde ou a resposta é insatisfactoria, os seguintes passos são:

  1. Reclamar ante a Agência Estatal de Segurança Aérea.
  2. Ir a uma arbitragem de consumo se a companhia está aderida.
  3. Apresentar a denúncia num Escritório Municipal de Informação ao Consumidor (OMIC).
  4. Como último recurso, iniciar uma demanda judicial, que não requer advogado se a quantia é inferior a 2.000 euros.

O que está em jogo

Para além dos tecnicismos legais, o sucedido põe sobre a mesa uma questão de fundo: Como tratamos às pessoas maiores em nossa sociedade? Pode uma aerolínea ignorar um documento oficial e deixar em terra a um cidadão octogenario por simples desconhecimento?

"Meu RG é perfeitamente válido em todas partes", dizia Luis Carbó à Vanguardia. E tem razão.