Dario Betti (MEF) analisa os riscos de BitChat, o rival de WhatsApp que funciona sem internet

O aplicativo de transportadora do criador de Twitter, Jack Dorsey, pode-se descarregar na App Store, no entanto, não é do todo segura para os utentes

Dario Betti, CEO Mobile Ecosystem Forum habla sobre BitChat   CONSUMIDOR GLOBAL
Dario Betti, CEO Mobile Ecosystem Forum habla sobre BitChat CONSUMIDOR GLOBAL

Actualmente, ante uma onda de protestos por corrupção e desigualdade, o Governo de Nepal tem bloqueado 26 plataformas sociais –entre elas Facebook, WhatsApp, YouTube e Instagram–, o que tem disparado uma busca urgente de alternativas para se comunicar. Neste contexto, quase 49.000 nepalíes descarregaram-se o aplicativo de transportadora descentralizada de Jack Dorsey, BitChat.

Foi este passado julho quando Dorsey, cofundador de Twitter e Block, apresentou esta app que opera completamente sem internet, mediante redes malladas de Bluetooth Low Energy (BLE). BitChat não requer contas de utente, nem correio, nem número de telefone: as mensagens viajam saltando entre dispositivos próximos, o que promete uma comunicação resistente ante cortes de rede, bloqueios governamentais ou censura.

BitChat choca com limitações

Sobre este palco, Consumidor Global entrevista a Dario Betti, CEO do Mobile Ecosystem Fórum (MEF), quem analisa o alcance real de propostas como BitChat, que em teoria poderiam servir tanto a ativistas durante protestos como a comunidades rurais com conectividade limitada.

Mas a promessa de uma comunicação livre de vigilância choca com limitações técnicas: seu alcance mede-se em metros, não em quilómetros; depende de que tenha outros utentes perto; e sua falta de verificação sólida abre a porta ao spam ou a suplantación de identidade. Betti ajuda a separar o entusiasmo da realidade, e propõe até onde pode chegar esta ideia de transportadora descentralizada que já divide a experientes e governos.

--Que é exactamente BitChat?

--BitChat funciona completamente sem conexão, usando redes malladas de bluetooth de baixo consumo (BLE) para retransmitir mensagens criptografadas entre dispositivos. Está pensada para funcionar sem internet nem cobertura móvel, oferecendo um enfoque inovador quanto a privacidade, resistência e controle por parte do utente na comunicação digital.

 

--Saltando de móvel a móvel?

--Seu serviço permite que os móveis se enviem mensagens directamente entre si, saltando de um dispositivo a outro a poucos metros de distância, até que a corrente chega ao destinatário correto.

--A quem considera que vai dirigido BitChat? Viajantes, residentes em zonas rurais, ativistas, utentes preocupados pela privacidade?

--Agora mesmo, é uma tecnologia que ainda está a procurar a seu público. Ainda assim, é fácil imaginar em que situações poderia encaixar muito bem. Por exemplo, serviria como ferramenta de comunicação de emergência em zonas de desastre, quando as redes de telecomunicações não funcionam. Também poderia ser muito útil em comunidades locais pequenas, onde a maioria das pessoas estão perto unas de outras. E, por suposto, oferece um canal de transportadora sem possibilidade de interceptación, algo atraente para os que querem proteger sua privacidade.

--Desde o ponto de vista técnico, como funciona a rede mallada de bluetooth BLE e qual é a distância real que pode percorrer uma mensagem?

--BitChat (um jogo de palavras entre Bitcoin e chat) segue a mesma ideia que as criptomonedas: ser descentralizado e funcionar de pessoa a pessoa, sem intermediários. Lançou-se como um projecto de código aberto, o que permite que qualquer possa criar sua própria versão e enviar mensagens directamente através de bluetooth. As mensagens vão saltando de um dispositivo a outro, formando uma rede mallada que, em teoria, pode ampliar o alcance da comunicação até 300 metros ou mais, dependendo da densidade de utentes.

--São realmente 300 metros, como sugerem algumas provas?

--Esses 300 metros são mais um cálculo teórico que uma realidade. Na prática, a distância costuma reduzir-se bastante, ficando entre 5 e 15 metros. De modo que, sendo realistas, podemos dizer que o alcance desta tecnologia se mede em metros, não em quilómetros. O mais llamativo é que não há servidores centrais, não há contas de utente nem identificadores e não há armazenamento na nuvem

--Então, é viável em áreas rurais extensas?

--BitChat aposta por uma simplicidad radical: nada de registros, nem números de telefone, nem correios eletrónicos, nem recopilación de dados. Para quem vivem em zonas com pouca conectividade, ou para quem procuram esquivar a vigilância, isto resulta muito atraente. O problema é que sua eficácia depende de que tenha suficientes dispositivos perto. Se não os há, as mensagens podem não se entregar ou chegar demasiado tarde para ser úteis. Por isso, em áreas rurais ou pouco povoadas, BitChat se volta pouco fiável e não é adequado para comunicações críticas.

--Que diferença a BitChat de outros aplicativos 'off-line' anteriores como FireChat ou Bridgefy?

--FireChat ganhou muita popularidade em seus inícios, sobretudo durante os protestos em Hong Kong, mas acabou desplomándose por problemas de escalabilidad e confiabilidade. BitChat, em mudança, ao apoiar na estrutura de Bitcoin, promete uma experiência mais robusta e, potencialmente, mais segura. Isso sim, ainda falta demonstrar na prática.

Bitchat, la aplicación de mensajería que no necesita internet BITCHAT
Bitchat, a aplicación de mensajería que não precisa internet / BITCHAT

--Por que está a acordar tanto interesse BitChat na actualidade?

--A atenção agora mesmo gira em torno de Jack Dorsey, o criador de Twitter (a cópia dos serviços de SMS em linha), quem viu um valor no que muitos descartaram como uma "ideia estúpida". Há quem são cépticos com BitChat, mas se algo ensinam Jack Dorsey e a história é que convém não o subestimar. Desde nosso ponto de vista, algumas de suas características poderiam terminar integrando-se em muitas dos aplicativos de transportadora que já usamos.

--De facto, Jack Dorsey tem descrito a BitChat como uma tecnologia "segura", mas vários experientes têm identificado falhas de autenticação e identidade. Como avalia estas advertências e qual é sua recomendação para os consumidores?

--Ainda que BitChat está pensado para cuidar a privacidade, sua segurança ainda não está demonstrada. Depois de seu lançamento, Dorsey acrescentou um aviso em GitHub: "Não o uses em meios de produção, e não confies em sua segurança baixo nenhuma circunstância até que tenha sido revisado". Os experientes em segurança saltaram em seguida. Como se destacou numa análise de Coinmonks em Medium, lançar um aplicativo de transportadora segura sem auditorias externas –e mais ainda se se vende como uma opção para situações de alto risco– é jogar com fogo. Os consumidores devem ser conscientes disso.

--Dorsey também tem advertido que BitChat "pode conter vulnerabilidades" e que não deveria se usar em "casos sensíveis" sem uma revisão externa. Que mensagem envia isto aos consumidores sobre o grau de maturidade desta tecnologia e daí responsabilidades recaen no utente ao a adoptar, sobretudo, quando se procura uma segurança absoluta?

--Isto não é uma solução madura ainda. Está numa etapa muito temporã e é bastante instável. Um dos problemas é que a identidade não fica bem atada: aos utentes pode-lhes custar confirmar se a pessoa com a que falam é realmente quem diz ser. Também estão os riscos de Sybil, isto é, se não há um sistema forte de verificação de identidade, a rede se pode encher de spam ou de nós falsos que se cuelan. E olho com a filtragem de metadatos: ainda que as mensagens estejam criptografadas, uma análise do tráfico pode mostrar padrões e dar pistas.

--Os experientes têm expressado sua preocupação pelo consumo de bateria e o rendimento do dispositivo devido ao funcionamento constante da rede mallada de BitChat. Poderia este impacto converter num obstáculo importante para sua adopção em massa?

--Depende do telefone e das especificações da bateria que tenhas. Hoje em dia, às baterias exige-se-lhes um rendimento maior que dantes. Por exemplo, reproduzir videos longos consome bem mais que as conexões por Bluetooth ou wifi. De modo que todo depende de se teu telefone e sua bateria são novos e de se é um modelo de faixa alta.

--Se BitChat chega a crescer, poderia converter numa ameaça para WhatsApp ou Telegram, ou ficará como um nicho para ativistas?

–BitChat não recopila dados, não tem anúncios e carece de uma estratégia clara de monetización. Além disso, há outros problemas de experiência de utente: não há opções de recuperação em caso de perda do dispositivo, e a verificação de identidade requer uma interacção fora de linha ou outra plataforma de transportadora. A quem lhe vais mandar uma mensagem se não sabes quem é? A adopção em massa poderia ser lenta ou inclusive impossível devido a estas barreiras.

--Além do chat, já se estão a fazer provas de pagamentos de Bitcoin sem conexão. Que envolvimentos tem isto para os consumidores, inclusive para além da transportadora?

--BitChat planea unir os serviços de comunicação e pagamentos numa sozinha plataforma. No entanto, poder-se-ia dizer que isso já existe em aplicativos com maior segurança para a transportadora, como Signal, e para os pagamentos com Bitcoin.

Presentación de BitChat BITCHAT
Presentación de BitChat / BITCHAT

--A descentralização de BitChat significa que não há um servidor central que modere o conteúdo. Também não requer identificação, apaga as mensagens quando se fecha o aplicativo e permite que os dados se autodestruyan com só tocar o ecrã. Sem registros nem moderación, como pode combater o discurso de ódio, a desinformación, o spam ou o conteúdo daninho?

--Esta é uma preocupação finque, já que nada disso estaria disponível. BitChat está pensado como um espaço de livre expressão, sem supervisão nem controle. Já temos visto como alguns utentes poderiam o usar de forma maliciosa.

--Aplicativos como Bridgefy (usada durante os protestos em Hong Kong) inspiraram a BitChat. Os manifestantes usaram Bridgefy para comunicar-se e evitar a censura e a vigilância do governo. Estamos a ver uma tendência para ferramentas descentralizadas para comunicar-se sem depender de internet, os governos ou as corporações?

--Sim, mas também temos visto o contrário: governos que contraatacan e detêm ou hackean aplicativos para interceptar as mensagens dos manifestantes.

--Jack Dorsey criou Twitter (agora X). Com BitChat, está a tentar solucionar problemas que ele mesmo ajudou a criar, como a censura ou a centralização?

--Jack Dorsey teve que desempenhar ambos papéis no debate. É um defensor da liberdade de expressão, mas em Twitter teve que estabelecer a supervisão das mensagens. No entanto, acho que seria reduccionista dizer que o problema o iniciou Twitter ou Jack Dorsey. A sociedade tem estado discutindo isto durante os últimos 25 anos, desde a explosão do consumo de internet.