A carne de potro: "Destaca por sua alta qualidade, mas os grandes chefs não se atrevem com ela"

É vermelha, magra, rica em ferro e terna, mas seu consumo enfrenta-se a uma barreira cultural que não consegue derrubar suas virtudes nutricionais

Una yegua y su potro   UNSPLASH
Una yegua y su potro UNSPLASH

Ouve o artigo agora…

0:00
0:00

Como inspector da Guia Michelin, o paladar de Victoriano Porto (Gonte, 1964) está treinado para ignorar o preconceito e centrar na fibra. Quando se senta na mesa, não procura coartadas morais, procura sabor. E com a carne de potro, tem-o claro.

"Tem uma cor rojizo muito atraente. É fibrosa, mas terna. O magret de pato, por exemplo, é fibroso, mas não é terno. O potro tem ambas virtudes", descreve Porto a este meio, com a autoridade de quem tem degustado as criações culinarias mais sublimes dos melhores cocineros. "Está a cavalo –nunca melhor dito– entre a ternera e o venado. Tem a intensidade do venado, mas sem esse sabor selvagem e agressivo; e possui um dulzor característico que, com dois escamas de sal e um toque de pimienta, se equilibra à perfección", detalha o crítico gastronómico.

Nenhum grande chef espanhol atreve-se com a carne de potro

"Para mim é uma das carnes a mais qualidade do mercado. Destaca por seu alto conteúdo em ferro e seu baixo nível de gordura, o que a converte numa opção muito saudável", reconhece Porto, quem assinala que o crescimento de consumidores de carne de potro em Espanha está a crescer gradualmente. "É paulatino, mas ainda não há uma grande mudança", agrega.

Carne de potro EFEAGRO
Carne de potro / EFEAGRO

O cavalo, em nosso país, considera-se um animal nobre. "Em Andaluzia, por exemplo, é impensável, é quase como se comer a uma mascota. Em mudança, cruzas a França ou vais ao Véneto em Itália, e é um manjar habitual", declara Porto. De facto, segundo o inspector da Guia Michelin, nenhum grande chef espanhol atreve-se a pôr em sua carta de degustación carne de potro. "Destaca por sua alta qualidade, mas não se atrevem com ela. Têm medo à rejeição", confessa. "Dizes-lhe a um cliente que é solomillo de venado e lho engole encantado. Dizes-lhe que é de potro, e a mente bloqueia ao paladar", explica.

Os talhos: "Quem cruzam a linha do tabu ficam por seu preço"

Longe dos manteles de fio, no ajetreo diário do mercado de Ciutat Meridiana (Barcelona), Ondina Monteiro vive essa resistência cultural desde o outro lado do balcão. Ela é charcutera e testemunha de primeira linha de como esta carne luta por encontrar seu lugar na cesta da compra.

"Em meu mercado tem tido pouca saída", admite Monteiro a Consumidor Global. "É uma carne que custa introduzir. Custa fazer com o cliente, mas quando o tens, é muito fiel", assegura a charcutera. "Quem cruza a linha do tabu costuma ficar por duas razões: a terneza –ideal para meninos e maiores– e o preço". Enquanto o solomillo de ternera dispara-se (entre 40 e 55 euros o quilo), os filetes de potro de primeira categoria oscilam entre os 16 e 21 euros o quilo, e as hamburguesas ou carne para guisar mantêm-se competitivas, rondando os 10 ou 14 euros.

Uma carne espanhola produzida para nossos vizinhos

Ainda que nos mercados locais a venda seja uma carreira de fundo, Espanha é uma potência na sombra. Grande parte do que se criança nos vales do norte não acaba nos platos espanhóis, sina cruzando os Pirineos ou o Mediterráneo. É um segredo a vozes que liga o Vale de Baztán, em Navarra, com a região de Puglia, no salto da bota italiana. Ali, os pezzetti dei cavallo (trozos de cavalo em molho de tomate) são religião.

Mikel Zeberio, numa entrevista no diário O País, destaca que "a que não se vende no França, se vende em Canárias, porque há muito turismo. A carne de cavalo é muito delicada, é muito boa. Também a behorra, que é a mãe jovem, é uma carne acojonante". Desta maneira, produz-se um produto gourmet para que o desfrutem nossos vizinhos. Segundo os dados do Observatório de Complexidade Económica, Itália importa anualmente mais de 25 milhões de euros em carne equina espanhola.

A parte nutricional da carne de potro

Trata-se de uma fonte de proteínas de alto valor biológico (ao redor de 21 gramas pela cada 100), similar à ternera, mas com uma diferença crucial na gordura. Enquanto a ternera apresenta infiltraciones gorduras significativas, o potro é magro, com mal um 2-3% de matéria gordura. Ademais, essa pouca gordura é rica em ácidos grasos Omega-3, insólitos em outras carnes vermelhas.

Corte de carne de potro EFEAGRO
Corte de carne de potro / EFEAGRO

A isto se soma sua cor vermelha intenso, sinal inequívoco de seu altísimo contido em ferro hemo, o de melhor absorção, o que a converte na prescrição médica habitual para combater a anemia ferropénica. Esse "dulzor" que menciona Victoriano Porto se deve a seu alto conteúdo em glucógeno, uma reserva de energia que a faz mais apetecible para os meninos, mas que requer um manejo cuidadoso na cozinha para não caramelizarla em excesso.

Um aviso dos nutricionistas

No entanto, a tecnóloga de alimentos e dietista-nutricionista, Beatriz Robles, conhece bem o produto por sua origem geográfica. "Na zona da que eu sou, em Leão, sim que se consumiu; pode-se encontrar em muitíssimos talhos", explica, normalizando sua presença em certas despensas espanholas.

"Que posso dizer como nutricionista? Pois o mesmo que diria de qualquer outra carne vermelha: que a recomendação é reduzir o consumo", adverte Robles com rigor. Para a experiente, debater se é nutricionalmente superior à vaca é um exercício estéril. "Não devemos entrar em comparações de se é um pouco menos má ou um pouco melhor que a de ternera ou porco. É uma carne vermelha e, como tal, a mensagem que temos que dar à população geral é reduzir o consumo", sublinha. Nem milagre, nem veneno; simplesmente, carne vermelha.

Os defensores do bem-estar animal: "É um bebé e sente medo"

Mas nenhuma análise nutricional pode apagar a imagem mental que freia a milhares de consumidores: os olhos grandes e a nobreza do animal. Para Rosa Mais, bióloga da Plataforma Defesa Animal, o debate não deveria centrar nas gramas de proteína, sina na capacidade de sentir. "Vemos uma falta de ética, não só porque seja uma criança, senão porque é um animal, um ser sintiente", argumenta Mais com firmeza.

O processo industrial, segundo relata, é traumático. O potro, um animal gregario com um apego extremo à mãe, sofre uma separação temporã devastadora. "É muito doloroso. Eles sentem medo. Um matadero é um lugar de horror, onde cheiram o sangue e ouvem a outros animais gritar. É um bebé e sente medo", explica Mais, descrevendo o método de sacrifício mediante pistola de parafuso cativo. "Não há necessidade nutricional real de fazer dano a outros animais quando podemos o evitar", conclui Mais.