E. Uranga (Circana): "As correntes de restauração têm margem para justificar subidas de preço"
Um estudo elaborado conjuntamente por Circana e KPMG reflete que companhias como KFC, McDonald's, Five Guys, Goiko ou Alsea, entre outras, mantêm um crescimento sustentado de 46,9% desde 2019, muito superior ao da restauração independente
Hamburguesas, pizzas, rapidez, mais opções sem álcool, mais café, um estabelecimento agradável (quando apeteça ir, que não será sempre) e, sobretudo, uma capacidade de adaptação constante a suas gustos e necessidades. Algo assim, enfatizado e sazonado com as diferentes especiarias que correspondem à cada grupo generacional e seus recursos económicos, é o que procuram os consumidores nas grandes correntes de restauração organizada.
Assim o reflete o Observatório da Restauração de Marca 2025–2026, um exhaustivo estudo realizado por Marcas de Restauração (entidade que conta entre seus sócios a gigantes como KFC, McDonald's, Five Guys, Goiko ou Alsea -que a sua vez possui Starbucks, Burger King, Vips, Domino's Pizza ou Ginos-) em colaboração com Circana e KPMG.
Despesa em alimentação e bebida em Espanha
O relatório, uma "radiografia certera" do sector apresentada nesta quinta-feira em Madri, também reflete que o canal Foodservice, que concentra desde comedores de empresa até catering, bares e restaurantes, concentra já um da cada três euros gastados em alimentação e bebida em Espanha.

Com tudo, o consumidor, a cada vez mais selectivo, cauteloso e exigente, não vai agora com maior frequência aos pontos de venda: a periodicidade fica estática com uma variação de 0,0%, o que permite ver o copo médio cheio ou meio vazio. Simultaneamente, sobe o peso do take away e o ticket médio, enquanto as grandes correntes, otimistas, preparam-se para seguir abrindo locais.
Crescimento da restauração de marca
Quiçá o dado mais impactante do relatório é que a restauração de marca tem crescido quase um 47% desde 2019, enquanto a restauração independente só o fez um 5,7%: ao Bar Manolo e ao Restaurante Castilla custa-lhes atirar, mas os grandes grupos vão disparados. Simultaneamente, os empresários do sector olham com preocupação a abundante regulação, o absentismo trabalhista e a falta de pessoal.
De todo isso tem falado Edurne Uranga, vice-presidenta Européia de Food Service em Circana, à que entrevistamos em Consumidor Global.
--O relatório recolhe que se devem melhorar o serviço, o menu, a qualidade e a atmosfera para justificar subidas de preço. Até onde há margem para o incremento?
--O primeiro que temos que ter em conta quando analisamos o consumo em restauração é que o consumidor se comporta de forma muito diferente a quando vai ao supermercado. Isso quer dizer que o preço não importa? Não. Mas é verdade que tem uma incidência algo diferente: o realmente decisivo é a equação de valor, isto é, o preço percebido, se ao consumidor compensa-lhe o que tem tido que gastar ou não. De maneira que sim, há margem para justificar ao consumidor que tem gastar X numa ocasião de consumo desde que se trabalhe muito bem essa experiência.

--Quando se analisaram as novas tendências, você tem explicado que Espanha é o país de Europa no que a prática do ayuno intermitente tem uma maior penetração (11%). Como actuarão os grupos de restauração em frente a este fenómeno?
--Há que o ter em conta, porque é uma tendência que está a calar, sobretudo em gerações mais jovens. Na geração Z vemos que chega até um 20% de consumidores que levam algum tipo de ayuno intermitente. Que significa? Que, enquanto é um estilo de vida, terá menos ocasiões de consumo. A restauração tem-se que adaptar entendendo isto e sabendo que as ocasiões de consumo que faça esse consumidor serão bem mais completas, de maneira que terá que prestar especial atenção aos ingredientes. Por tanto, será necessário oufrecer platos que combinem fontes nutricionais, de maneira que se abre um mundo. Já não vale, digamos, a pechuga de frango com salada. Chamemo-lo a versão 2.0 do plato combinado tradicional, mas balançado nutricionalmente.
--Também se falou do incremento das ocasiões de consumo individuais, isto é, pessoas que decidem ir sozinhas a comer ou a cenar a um restaurante. Quiçá era algo que dantes produzia certa vergonha, acha que é uma mudança que também tem que ver com questões culturais, como o teletrabalho?
--Historicamente tinha, como dizes, essa imagem negativa ou de vergonha, e vemos que isto está a mudar dia a dia, sobretudo entre as gerações jovens. Falamos de experiência: prima-se o eu, e por tanto, se a mim me apetece desfrutar deste restaurante, vou ir. Aí há uma margem de adaptação e de crescimento para a restauração, porque as raciones e o tipo de plato que tende a se oferecer não é exactamente o que precisa um cliente que vai a comer sozinho. Não por ser individual é uma ocasião pouco valiosa: vemos que alguns consumidores terminam gastando um 30% mais que quando vão com amigos. É uma tendência que se vai desenvolver muitíssimo.

--Ana Rodríguez Castaño, secretária geral de recursos agrários e segurança alimentar do Mapa, tem falado em sua intervenção da importância de proteger o legado culinario espanhol. Como casa isso com a oferta de Burger King, McDonald's ou Vips, ensinas com arraigo, mas americanas, que não têm uma oferta de produto espanhol tradicional?
--Sim e não. Claro que há influência de Estados Unidos, mas depois há uma adaptação a essas tendências locais. Não é incompatível. Ensinas como as que tens citado, que obviamente têm um carácter americano, adaptam seus menus. Por exemplo, com a presença de saladas, que em Estados Unidos não é tão alta. Existe uma presença de uma série de produtos que dão resposta às demandas do consumidor espanhol. Vemos inclusive estratégias de McDonald's, ao que citavas, de desenvolvimento da agricultura local. Em realidade aterra-se essa marca internacional, e não é incompatível uma coisa com a outra.
--Também se falou de digitalização e inteligência artificial, que não deve substituir, segundo têm afirmado os palestrantes, à inteligência emocional. Está de acordo?
--É outra forma de dizer o que temos apresentado: num momento complexo cobra mais importância que nunca pensar no consumidor, e o fazer implica ter essa inteligência emocional. É essa parte sociológica, para além dos números, que tem que ver com lhe entender, ver que precisa… E não está para nada reñido com a IA. A combinação de ambas é excelente para o desenvolvimento desse segmento.

--O relatório reflete que os consumidores cozinham menos e procuram produtos prontos para consumir, de modo que o restaurante já compete com o supermercado em muitos casos. Faz um tempo, Arnau Paris, cocinero e ganhador de Masterchef, declarou a Consumidor Global que "não cozinhar é perigoso, porque não sabes o que comes". Que opina?
--Não termino de estar do tudo de acordo, porque é verdadeiro sozinho se não mostras interesse em saber que comes. Mas precisamente essa preocupação nutricional é uma das tendências que vemos, de modo que o consumidor quer ser consciente do que come, ainda que esteja em restauração. Pensemos que o consumo imediato, isto é, consumo em Food Service (não só restauração, sina também o linear de comida quente do supermercado ou a máquina de vending) é já, em Espanha, a terceira parte de todo o que nos gastamos em alimentos e bebidas. Não lhe resta peso à restauração, sina que o que faz é um switching de cozinhar em casa ao ter já preparado. Os extremos nunca são bons, e não vamos chegar ao extremo desses titulares jornalísticos que anunciam, por exemplo, que "as cozinhas vão desaparecer das casas". O que ocorre é que sim nos vamos balançando bem mais por cultura, hábitos e porque a indústria está mais desenvolvida e pode oferecer mais produtos. Há que entender que também não é uma luta entre o restaurante e o supermercado, sina um desenvolvimento dessa parte de consumo imediato. Mas isso não quer dizer que percas o controle do que comes. O que tem que fazer esse canal é lhe dar tranquilidade ao consumidor ou lhe ensinar.

