O oficio de comer em Lhes Grands Buffets
Visitamos este popular restaurante de Narbona (França), a duas horas em comboio de Barcelona, que oferece um buffett livre para sibaritas a um preço de 65,90 euros por comensal
Desde fora, parece um shopping vanguardista dos anos oitenta. Ao cruzar a porta corredera, uma marabunta de franceses faz bicha para entrar a comer, beber e desfrutar. São as doze do meio dia de uma quinta-feira fria e cinza de novembro, mas a joie de vivre pode-se apalpar no ambiente da entrada do restaurante Lhes Grands Buffets de Narbona.
No interior, uma legión de camareros uniformizados com traje branco espera em bicha. É uma fileira ordenadísima que só se rompe à medida que chegam os grupos. O primeiro da bicha acerca-se, cumprimenta com um sonriente 'bonjour' e guia aos comensales até sua mesa. E daí caminho! A impressionante fonte de chocolate desbordante, as ollas brilhantes de cobre nos escaparates acristalados, os centos de copas de vidro esculpido, o mar de ostras, centollos e langostas, o museu do queijo, a luxuosa madeira de roble do solo e as paredes, os espelhos de marcos dourados que chegam até o teto e a cubertería de prata fazem que te sintas como num filme de Tim Burton. É uma sensação onírica onde as cores e os cheiros dos manjares, inabarcables para os sentidos, tudo o impregnam, e embriagan ao comensal até o ponto de lhe provocar uma reacção fisiológica inequívoca: faz-se-te a boca água.
Que comer em Lhes Grands Buffets
Sentado nas cadeiras de época deste salão engalanado ao mais puro estilo do Palácio de Versalles, quando chega o Champagne Monopole (25 euros), o mesmo que se serviu no Titanic, é fácil se sentir um hedonista.
O grande problema surge à hora de eleger a comida. Queijos, marisco, caviar, foie gras? Por onde começar? Lhe fromage, a mer, lhe canard? Com suas folhas estendidas, o menu tem o tamanho de um diário antigo e as opções são quase infinitas. Que eleger? Que descartar?
Aperitivo
Lhes Grands Buffets figura no livro Guinness dos recordes como o restaurante com mais queijos do mundo. Talvez seja uma boa ideia começar provando algumas de suas mais de 111 variedades. Mas nem camembert, nem comté, nem reblochon, nem Saint-félicien, nem brie, nem manchego de 12 meses, nem tête de moine. Temos vindo a provar coisas novas, de modo que uma meditada selecção de 15 queijos desconhecidos, em parte consensuada com uma das várias experientes queseras, é o melhor dos aperitivos. Mais se cabe, quando levas média vida sonhando com estar num templo do queijo como este.

Prova-a deriva num jogo placentero e numa dezena de descobertas anotadas cuidadosamente na libreta para a posteridad. O tomme de chèvre, langres fermier, appenzeller e o brillat savarin trufado, uma das últimas incorporações da casa, são queijos que há que provar ao menos uma vez na vida.

Os entrantes
Em frente aos clássicos, como a cascata de bogavantes, as ostras de Thau e outras delicatessen do mar, a última novidade de Lhes Grands Buffets é uma secção do mais sibarita dedicada à trufa. Ali, vários cocineros elaboram algumas receitas herdadas do chef Auguste Escoffier, considerado o precursor da arte culinario.
Os ovos mimosa ecológicos com trufa, factos ao momento e com generosas lâminas de trufa negra ralladas por em cima, são uma delícia. Em mudança, a nova sopa de hojaldre à trufa e ao foie gras é mais espetacular que outra coisa, mas com os primeiros frios da temporada apetece e entra sozinha. Na valoração deste cronista também pesa, na consciência, o maltrato animal que implica a produção de foie.
Bichas no posto da carne
Na quarta viagem em procura do manjar esquecido, já com o apetito saciado e prestando maior atenção aos pequenos detalhes, te dás conta de que a gente, aqui, é feliz. Pelo menos, isso dizem suas caras, sonrientes, absortas no rastreamento minucioso dos escaparates repletos de comida. Todo envolvido nesse cheiro a trufa e a queijo, a mantequilla e a mostaza de Dijon, a ahumado e a brasa, a mil molhos e texturas. Esse cheiro, a mar e a terra, é o melhor.

São as duas da tarde e a bicha nA rôtisserie dificulta o passo, mas o espectáculo do Canard au Sang ('pato ao sangue'), não apto para veganos, respeita o ritual ancestral dos maîtres canardiers e ameniza a espera. Finalmente, o eleito é o solomillo de ternera com molho Périgueux, mas sem trufa, que os excessos não são bons. É uma carne extraordinária que melhora regada com uma copa de vinho tinto Capitelle (18 euros) dA Clape, uma zona montanhosa entre Narbona e o mar.
Os postres
No caminho entre a boa mesa e as grandes salas do buffett, um sempre passa pela zona dos queijos e quereria ficar a viver aqui, mas é a hora do doce. Uma idosa, já um pouco importunada, se passeia, ostentosa, com um plato a transbordar de éclairs, macarons e pasteles vários. Qual eleger? Outros comensales levam os platos semivacíos e parecem discretos, mas quiçá somem vinte viagens em lugar de meus modestos cinco. De uma heladería de luxo sai gente maior com copas enormes cheias de bolas e a fonte de chocolate convida ao banho. No entanto, nesta ocasião atiro de um clássico como a crêpe Suzette, flambeada justo dantes de aterrar em meu plato. Se a preparação é hipnótica, a ingestão é delirante. Pura fantasía.

Na última viagem, enquanto selecciono um éclair de chocolate e um macaron para acompanhar o café, uma mulher desmaia-se e termina sentada no solo. Será de prazer? Será a emoção? Será diabética? Em Lhes Grands Buffets há que ir com cuidado, porque a tentación está em cada canto. Sem dúvida, sai-se menos atlético do que se entra, mas também um pouco mais feliz. Fora, no parking, junto aos carros dos clientes, há quatro ou cinco carabanas. Serão turistas gastronómicos ou adictos rendidos à fome hedonista?