R. Espinosa (Marqués do Atrio): "A qualidade do vinho espanhol, inclusive a do barato, é adequada"

Este experiente acha que o vinho espanhol encaminha-se a uns anos difíceis, mas, simultaneamente, considera que o impacto dos impostos será menor do esperado

Rodrigo Espinosa, de Marqués del Atrio   CEDIDA
Rodrigo Espinosa, de Marqués del Atrio CEDIDA

Rodrigo Espinosa é o enólogo chefe e diretor técnico do Grupo Marqués do Atrio, uma família bodeguera que destaca na actualidade graças ao tesón da quinta geração. Foi Olegario Rivero quem em 1899 iniciou a trajectória familiar dedicada ao vinho com uma primeira pequena adega no centro de Arnedo (A Rioja), e hoje ensina-a agrupa as marcas Faustino Rivero e Adegas Valderivero.

"Tradição, inovação, coração, terroir, distinção, excelência", proclamam em sua página site. Em sua conversa com Consumidor Global, Espinosa utiliza conceitos parecidos. Engenheiro agrónomo pela Universidade de Chile, iniciou sua carreira em seu país natal trabalhando em Adegas Concha e Touro e Adegas Caliterra, dois referentes do vinho chileno. Em 2002 realizou uma vendimia em Robert Mondavi Winery (Califórnia, EE. UU.), uma experiência finque que consolidou seu enfoque internacional na elaboração de vinhos. Desde dezembro de 2007 faz parte do Grupo Marqués do Atrio.

--Qual tem sido o impacto das condições climáticas neste ano de produção?

--Leste tem sido um ano com algumas condições complicadas para Rioja, com chuvas bastante persistentes durante a primavera. Também teve tormentas de granizo que nos tiraram bastante produção. Ademais, ao princípio do verão tivemos uma onda de calor que acelerou a maduración das uvas. Essa combinação de humidade e calor produziu a presença de um fungo que felizmente tem um impacto na qualidade do vinho que não é importante, mas não sucede o mesmo na produção. Controlou-se a tempo, de modo que o dano na folha foi limitado. Esse conjunto de factores tem feito que a produção seja menor que a de outros anos, ao redor de 18% inferior à do ano passado, que já foi uma colheita de poucos quilos.

Uvas en un camión durante una vendimia / FREEPIK
Uvas num camião durante uma vendimia / FREEPIK

--E qual será o perfil dos vinhos resultantes?

--Em termos de qualidade, tem sido uma colheita muito boa, porque o último período de maduración foi seco e teve um contraste importante entre as temperaturas diurnas e as noturnas. Isso possibilita um bom desenvolvimento da cor, e há bastante aroma frutal. São vinhos com bons taninos, e pudemos esperar o momento óptimo para cosechar. São, em definitiva, vinhos de qualidade, com um nível de acidez melhor que o do ano passado. Vão ter uma muito boa longevidade e vamos ter bom potencial para criar em barrica.

--Que foi o que mais lhe surpreendeu quando chegou a trabalhar com os produtores de vinho espanhóis após sua experiência em Chile?

--Acho que o que mais gostei de Espanha foi da riqueza de sua viñedo. Nós em Chile trabalhamos muito com variedades francesas, como syrah ou merlot, por exemplo, mas quando chegas a Espanha te encontras com que há um património de viticultura próprio, com variedades autóctonas. Isso é um tesouro, e ao ir o conhecendo, descobres perfis diferentes de vinho que são espetaculares. O bonito é que, por exemplo, os tempranillos de Rioja se comportam de uma maneira diferente aos de Ribera ou os de Castilla-A Mancha. É um mundo muito variado, graças em parte à riqueza dos solos e os climas. Aqui há um potencial gigantesco para fazer coisas diferentes, como hoje se estão a fazer.

--Você foi diretor técnico de Adegas Fontana. Faz uns anos, em Consumidor Global falamos com a que era então gerente, e a adega acabava de conseguir um importante selo de sustentabilidade. Como mudam as dificuldades do trabalho ao passar de uma adega mais pequena a uma de maior tamanho como Marqués do Atrio?

--É difícil resumí-lo. A lembrança que tenho de Adegas Fontana é que tinham um viñedo enorme, e controlávamos variedades diferentes. O proprietário, Jesús, é uma pessoa muito visionaria e tinha uma mentalidade muito aperturista, por isso quis trazer uma pessoa do Novo Mundo. Eu trabalhei com vinhos de muito boa qualidade em Adegas Fontana (e o estou a fazer agora aqui também, em Marqués do Atrio) e vivi um pouco a criação do D.Ou. Uclés. Suponho que a grande dificuldade hoje, para todos, é a venda. Todos enfrentamos uma queda de consumo e uma série de dificuldades para a comercialização, porque há uma espécie de cruzada contra os produtos que têm álcool, e isso nos prejudicou. À margem disso, tenho tido a liberdade de poder desenvolver produtos, criar linhas que dantes não existiam, variedades… Tenho tido a sorte de contar com gente que me respaldou e me apoiou muitíssimo na criação de vinho. Nesse sentido, mais que dificuldades, tenho tido facilidades, tanto com a família Cantarero como com a família Rivero, que hoje me apoia 100% no relativo à abertura a novas coisas.

Los hermanos Rivero / MARQUÉS DEL ATRIO
Os irmãos Rivero / MARQUÉS DO ATRIO

--Com respeito a essa cruzada contra o álcool, temos visto como muitas ensinas lançaram-se a produzir vinhos com menor graduación alcohólica ou directamente desalcoholizados. Também vemos tendências como o vinho natural ou o laranja. Que opina destas correntes?

--Penso que não são tendências globais, sina que estão orientadas a nichos concretos, para um consumidor mais experimental. Os vinhos laranjas, que se elaboram em contacto com a pele do alvo, estiveram mais de moda faz uns anos, hoje acho que não se fala muito deles. A mim pessoalmente não gosto, porque prefiro a frescura de do alvo. Ademais, esse tipo de vinho costuma ter um pouco de polifenoles, o que provoca certa astringencia em boca. Mas é parte importante das coisas novas que se estão a fazer e está bem que se faça, porque há que provar coisas inovadoras. Neste sentido, se agora nos temos que adaptar ao mercado e trabalhar com vinhos com menos graus, também é porque os jovens têm o hábito de beber menos álcool, fazem mais deporte… Não passa nada por ter um vinho com 11º ou um tinto com 12,5º. Inclusive está a experimentar-se com vinhos de 7º ou 8º, e é verdadeiro que ao baixar o grau mas não o fazer ao 100% não se perde tanto a qualidade. Em mudança, os vinhos 0,0, que realmente não são vinho, senão produtos derivados, têm uma qualidade muito diferente. Não sabem a vinho. Um de 8º ou 10º sim se assemelha mais. É uma tendência que pode ter sucesso, e acho que há que o trabalhar.

Una bodega del Grupo Marqués del Atrio / MARQUÉS DEL ATRIO
Uma adega do Grupo Marqués do Atrio / MARQUÉS DO ATRIO

--Como valoriza as perspectivas do vinho espanhol nos mercados internacionais?

--Está a ter problemas, já sabemos, desde os impostos de Estados Unidos ao Brexit. É complicado o que se vê a futuro. Não vai ser fácil. Em nosso caso, estamos a apostar forte por ser profissionais e criando um departamento comercial que, por exemplo, se foi a viver a Estados Unidos. Seguramente vamos ver resultados importantes cedo, e essa é a única maneira: investir na possibilidade de crescer em determinados mercados. Em general, a venda de vinho espanhol tem caído, o Rioja acho que fazer um 5%.

Varias copas de vino / PEXELS
Várias copas de vinho / PEXELS

--Não soa muito otimista.

–Acho que vamos ter anos difíceis. Mas graças a que, em general, são produtos de muito boa qualidade, o vamos conseguir. Acho que vamos ter dois ou três anos maus, mas conseguir-se-á. Trava-las alfandegárias complicam-no todo porque sobem o preço do produto, e nesse momento te pode chegar a substituir um produtor de outro país, como Chile, que tem imposto 0. De modo que tens que sair a procurar mercados diferentes, mas, ao final, chegar-se-á a acordos e o impacto será menor do que hoje se pensa. Sou mediamente otimista, mas não ao 100%.

--Acha que faz falta comunicar de outro modo o vinho? Penso em Santi Rivas, por exemplo, que fala do vinho com desparpajo e trata do fazer mais acessível.

--Para mim sim. É importantíssimo, e nós temos muita culpa, porque muitas vezes a mensagem que damos é que o vinho é um produto tremendamente sério, complexo, que deve se entender, que a cada veio tem uma relação com um solo… Isso está muito bem para quando já és um conhecedor do vinho e desfrutas comprando vinhos diferentes. Mas acho que para os que se estão a iniciar há que dar outra mensagem, basicamente 'se gostas do vinho, o prova'. É mais, se faz calor e queres um tinto de verão ou decides pôr-lhe um gelo a um vinho branco, não passa nada. É um começo. O seguinte passo será comprar um vinho mais caro, tê-lo em casa a uma temperatura adequada, comer com ele, presentear uma garrafa quando lhe convidem a algum lugar…Há que criar uma cultura e uma educação, e não se começa sempre desde acima, com um 100 pontos Parker. Podes perfeitamente comprar um vinho barato, de supermercado, que esteja bem feito. Hoje, a maioria de vinhos em Espanha fazem-se de forma muito adequada, com tecnologia, temperatura… A qualidade do vinho, inclusive a dos baratos, é adequada. Não é como antigamente, quando encontravas coisas que igual sim estavam mau. Por isso, acho que há que dar uma mensagem bem mais simples ao consumidor que começa, não importa que não conheça todo o processo ou que não saiba que passa em barrica ou que são os taninos. Importa que se consuma moderadamente e que se saiba que é bem mais sano que outros álcoois. Às vezes afugentamos ao consumidor com determinados mensagens.

Diferentes botellas en un establecimiento PEXELS
Diferentes garrafas num estabelecimento / PEXELS

--Como é um dia normal em seu trabalho?

--Normalmente começo revisando correios, mas todos os dias provamos os embotellados que se fazem nas diferentes plantas. Somos um grupo que trabalhamos em diferentes denominações, a principal é Rioja, mas também estão Navarra, Bierzo, Ribera do Duero… Temos muitos produtos em muitas zonas de Espanha, e isso é muito interessante. Chegam-me as mostras para prová-las, também avaliamos as misturas que se estão a fazer, viajo de vez em quando… Todos os dias há uma prova e nos juntamos com a equipa de embotellado para poder cumprir com o programa de embotellado que se faz semanalmente. Vai-se-me no dia entre alguma reunião, os correios e prova-las.

--Para terminar, diga-me um motivo pelo que brindar com um vinho de Marqués do Atrio.

--O primeiro é a saúde. Que todos tenhamos saúde, que tenhamos um fechamento de ano positivo, que tenhamos paz e que termine este momento tão convulso em Europa, em Ucrânia e Rússia; e também em Israel. Oxalá tenha tranquilidade, tenhamos sucesso e sobretudo saúde.