A saúde mental dos adolescentes: sinais de alarme que não deves ignorar

A Dra. Rocío Rosés, referência em saúde mental infantil e juvenil, alerta para os sinais de alarme que as famílias e a sociedade não podem continuar ignorando.

Um adolescente com problemas de saúde mental / L. Rico - EFE
Um adolescente com problemas de saúde mental / L. Rico - EFE

A portas fechadas e em silêncio, a saúde mental dos adolescentes atravessa uma das suas maiores crises nas últimas décadas. Ansiedade, automutilação, depressão, vícios digitais ou distúrbios alimentares tornaram-se cada vez mais frequentes nas consultas de psiquiatria e psicologia infantil e juvenil. 

A doutora Rocío Rosés, responsável pelo Hospital de Dia de Saúde Mental Infanto-Juvenil do Hospital Universitário Sagrado Coração (Quirón Saúde), analisa este fenómeno em profundidade e alerta que "há um aumento muito significativo de condutas pouco saudáveis que refletem uma grande dificuldade em gerir o mal-estar emocional".

O pessoal, o social e o académico

A saúde mental adolescente não é simplesmente a ausência de doença, mas sim –segundo explica Rosés– "uma funcionalidade adequada à sua idade e às exigências próprias dessa etapa", que permite ao jovem se desenvolver com equilíbrio entre os âmbitos familiar, escolar, social e pessoal.

Adolescentes usando las redes sociales como Instagram o TikTok / EP
Adolescentes usando as redes sociais como Instagram ou TikTok / EP

No entanto, esse equilíbrio é cada vez mais difícil de atingir. A pandemia de Covid-19 marcou um antes e um depois. O confinamento, o isolamento social e a hiperconexão digital criaram um ambiente propício para que muitos adolescentes vissem o seu bem-estar psicológico deteriorar-se. «O uso de ecrãs – redes sociais, videojogos, séries – aumentou e o contacto social real diminuiu, com consequências negativas no desenvolvimento emocional», afirma a especialista.

Uma tormenta emocional em pleno desenvolvimento

A adolescência, por definição, é uma fase de crise de identidade. O jovem redefine o seu papel no mundo, procura pertencer ao grupo de pares e começa a construir a sua autonomia. Quando este processo se complica, a intensidade emocional dispara. Tristeza, irritabilidade, angústia ou falta de rumo são expressões comuns. 

“Se a esta vulnerabilidade natural juntarmos uma dificuldade em gerir estas emoções, é aí que surgem as perturbações mentais”, afirma a Dra. Rosés. Entre os problemas mais prevalentes que afectam atualmente os adolescentes, a Dra. Rosés destaca cinco grandes grupos de diagnósticos: perturbações do neurodesenvolvimento, perturbações do humor (como a depressão), perturbações de ansiedade, perturbações alimentares (TA) e dependências, tanto de substâncias como de comportamentos (jogos em linha, redes sociais, etc.).

Sinais que não se deve ignorar

A chave para uma intervenção precose está na observação de certos comportamentos que devem ativar os alarmes em pais e docentes. Mudanças repentinas no sono, a alimentação, o rendimento escoar, o isolamento social, a perda de interesse por actividades que antes desfrutavam ou a irritabilidade constante são alguns dos sinais de alerta.

Una adolescente con sueño PEXELS
Uma adolescente com sono / PEXELS

Rosés salienta também as diferenças de expressão entre os géneros. “Os rapazes tendem a expressar o seu desconforto através de comportamentos agressivos ou do consumo de substâncias tóxicas, enquanto as raparigas tendem a apresentar mais sintomas depressivos, automutilação ou problemas com a imagem corporal”, salienta. Um dos erros mais comuns cometidos pelos pais, segundo a especialista, é julgar em vez de ouvir. “Os adolescentes não precisam que lhes demos razão, mas precisam que os validemos emocionalmente, que os façamos sentir escutados”, sublinha.

Isolamento ou necessidade de privacidade?

Isolar-se pode parecer um comportamento comum durante a adolescência. No entanto, é vital diferenciar entre a necessidade saudável de privacidade e um padrão patológico.

“Se um adolescente passa muitas horas fechado com o telemóvel, evita todo o contacto social ou sai de casa a horas impróprias, isso não é normal”, alerta Rosés. A recomendação é abordá-los através de actividades partilhadas, sem forçar a conversa, mas construindo pontes.

Da tristeza à automutilação: quando procurar ajuda?

Expressar pensamentos de morte, verbalizar que não quer viver ou recorrer à auto-mutilação não deve ser minimizado ou visto como um sinal de alerta. São sintomas graves. " “Se houver sinais deste tipo, o adolescente deve ser levado a um profissional o mais rapidamente possível para que a sua saúde mental seja avaliada com urgência”, sublinha o especialista.

Ester Barranco, psicóloga:
Um adolescente sofre ansiedade / PEXELS

Neste contexto, o bullying, as redes sociais e a pressão académica surgem como factores agravantes. O bullying pode gerar sequelas emocionais prolongadas; as redes sociais, longe de serem inócuas, funcionam muitas vezes como espelhos distorcidos onde os adolescentes procuram validação a todo o custo; e as exigências escolares - tal como a pressão laboral sobre os adultos - podem tornar-se sufocantes.

Quando e como intervir?

O acesso a um psicólogo não deve ser reservado apenas a casos extremos. Rosés é clara e esclarece que "se houver mudanças significativas de comportamento ou se o adolescente verbalizar, deve ir à terapia. O profissional avaliará se se trata de uma crise de desenvolvimento ou de um problema de saúde mental".

O processo de diagnóstico envolve geralmente uma entrevista inicial com o jovem e os seus pais, seguida de testes neuropsicológicos e de uma avaliação multidisciplinar. Nem todos os casos necessitam de medicação e o tratamento depende da gravidade da perturbação, podendo ir do ambulatório ao internamento hospitalar. “Em geral, quanto mais grave é o caso, maior é a probabilidade de ser necessário recorrer a psicofármacos”, diz Rosés. A duração do tratamento é variável: há perturbações crónicas, como as perturbações do neurodesenvolvimento, e outras que podem entrar em remissão, como algumas perturbações do défice de atenção ou dependências. Mas a maior parte dos processos, adverte, são longos: “Estamos a falar de anos, não de meses”.

Uma mensagem para as famílias

A mensagem final da Dra. Rocío Rosés é um apelo à escuta ativa, sem pressas nem preconceitos. "Fale sobre o que sente, sem julgar. E se depois disso continuares preocupado, procura um profissional. O importante é atuar com rapidez e sensibilidade", diz ela.

A saúde mental na adolescência já não pode continuar a ser um tema tabu nem adiado. Os sinais estão aí. O desafio, como sociedade, é vê-los a tempo e estender a mão antes de que seja demasiado tarde.